domingo, 29 de agosto de 2010

A nova reforma Protestante


Queridos
Há algum tempo tenho falado sobre a necessidade de mudanças radicais no seio da Igreja. Esta matéria da época só vem ratificar o que temos ditos e nos abençoar, pois não estamos sozinhos nesta batalha pela fé evangélica.
Muito boa a reportagem!
PAZ
EM CONSTRUÇÃO
Ilustração de um monumento em forma de cruz
A nova reforma Protestante
Inspirado no cristianismo primitivo e conectado à internet, um grupo crescente de religiosos critica a corrupção neopentecostal e tenta recriar o protestantismo à brasileira
RICARDO ALEXANDRE


Irani Rosique não é apóstolo, bispo, presbítero nem pastor. É apenas um cirurgião geral de 49 anos em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia. No alpendre da casa de uma amiga professora, ele se prepara para falar. Cercado por conhecidos, vizinhos e parentes da anfitriã, por 15 minutos Rosique conversa sobre o salmo primeiro (“Bem-aventurado o homem que não anda segundo o conselho dos ímpios”). Depois, o grupo de umas 15 pessoas ora pela última vez – como já havia orado e cantado por cerca de meia hora antes – e então parte para o tradicional chá com bolachas, regado a conversa animada e íntima.
Desde que se converteu ao cristianismo evangélico, durante uma aula de inglês em Goiânia em 1969, Rosique pratica sua fé assim, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia. Com o passar do tempo, esses grupos cresceram e se multiplicaram. Hoje, são 262 espalhados por Ariquemes, reunindo cerca de 2.500 pessoas, organizadas por 11 “supervisores”, Rosique entre eles. São professores, médicos, enfermeiros, pecuaristas, nutricionistas, com uma única característica comum: são crentes mais experientes.
Apesar de jamais ter participado de uma igreja nos moldes tradicionais, Rosique é hoje uma referência entre líderes religiosos de todo o Brasil, mesmo os mais tradicionais. Recebe convites para falar sobre sua visão descomplicada de comunidade cristã, vindos de igrejas que há 20 anos não lhe responderiam um telefonema. Ele pode ser visto como um “símbolo” do período de transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. Um tempo em que ritos, doutrinas, tradições, dogmas, jargões e hierarquias estão sob profundo processo de revisão, apontando para uma relação com o Divino muito diferente daquela divulgada nos horários pagos da TV.
Estima-se que haja cerca de 46 milhões de evangélicos no Brasil. Seu crescimento foi seis vezes maior do que a população total desde 1960, quando havia menos de 3 milhões de fiéis espalhados principalmente entre as igrejas conhecidas como históricas (batistas, luteranos, presbiterianos e metodistas). Na década de 1960, a hegemonia passou para as mãos dos pentecostais, que davam ênfase em curas e milagres nos cultos de igrejas como Assembleia de Deus, Congregação Cristã no Brasil e O Brasil Para Cristo. A grande explosão numérica evangélica deu-se na década de 1980, com o surgimento das denominações neopentecostais, como a Igreja Universal do Reino de Deus e a Renascer. Elas tiraram do pentecostalismo a rigidez de costumes e a ele adicionaram a “teologia da prosperidade” (leia o quadro na última pág.). Há quem aposte que até 2020 metade dos brasileiros professará à fé evangélica.
Dentro do próprio meio, levantam-se vozes críticas a esse crescimento. Segundo elas, esse modelo de igreja, que prospera em meio a acusações de evasão de divisas, tráfico de armas e formação de quadrilha, tem sido mais influenciado pela sociedade de consumo que pelos ensinamentos da Bíblia. “O movimento evangélico está visceralmente em colapso”, afirma o pastor Ricardo Gondim, da igreja Betesda, autor de livros como Eu creio, mas tenho dúvidas: a graça de Deus e nossas frágeis certezas (Editora Ultimato). “Estamos vivendo um momento de mudança de paradigmas. Ainda não temos as respostas, mas as inquietações estão postas, talvez para ser respondidas somente no futuro.”

SÍMBOLO
O cirurgião Irani Rosique (sentado, de camisa branca, com a Bíblia aberta no colo). Sem cargo de clérigo, ele mobiliza 2.500 pessoas no interior de Rondônia
Nos Estados Unidos, a reinvenção da igreja evangélica está em curso há tempos. A igreja Willow Creek de Chicago trabalhava sob o mote de ser “uma igreja para quem não gosta de igreja” desde o início dos anos 1970. Em São Paulo, 20 anos depois, o pastor Ed René Kivitz adotou o lema para sua Igreja Batista, no bairro da Água Branca – e a ele adicionou o complemento “e uma igreja para pessoas de quem a igreja não costuma gostar”. Kivitz é atualmente um dos mais discutidos pensadores do movimento protestante no Brasil e um dos principais críticos da“religiosidade institucionalizada”. Durante seu pronunciamento num evento para líderes religiosos no final de 2009, Kivitz afirmou: “Esta igreja que está na mídia está morrendo pela boca, então que morra. Meu compromisso é com a multidão agonizante, e não com esta igreja evangélica brasileira.”
Essa espécie de “nova reforma protestante” não é um movimento coordenado ou orquestrado por alguma liderança central. Ela é resultado de manifestações espontâneas, que mantêm a diversidade entre as várias diferenças teológicas, culturais e denominacionais de seus ideólogos. Mas alguns pontos são comuns. O maior deles é a busca pelo papel reservado à religião cristã no mundo atual. Um desafio não muito diferente do que se impõe a bancos, escolas, sistemas políticos e todas as instituições que vieram da modernidade com a credibilidade arranhada. “As instituições estão todas sub judice”, diz o teólogo Ricardo Quadros Gouveia, professor da Universidade Mackenzie de São Paulo e pastor da Igreja Presbiteriana do Bairro do Limão. “Ninguém tem dúvida de que espiritualidade é uma coisa boa ou que educação é uma coisa boa, mas as instituições que as representam estão sob suspeita.”
Uma das saídas propostas por esses pensadores é despir tanto quanto possível os ensinamentos cristãos de todo aparato institucional. Segundo eles, a igreja protestante (ao menos sua face mais espalhafatosa e conhecida) chegou ao novo milênio tão encharcada de dogmas, tradicionalismos, corrupção e misticismo quanto a Igreja Católica que Martinho Lutero tentou reformar no século XVI. “Acabamos nos perdendo no linguajar ‘evangeliquês’, no moralismo, no formalismo, e deixamos de oferecer respostas para nossa sociedade”, afirma o pastor Miguel Uchôa, da Paróquia Anglicana Espírito Santo, em Jaboatão dos Guararapes, Grande Recife. “É difícil para qualquer pessoa esclarecida conviver com tanto formalismo e tão pouco conteúdo.”

Uchôa lidera a maior comunidade anglicana da América Latina. Seu trabalho é reconhecido por toda a cúpula da denominação como um dos mais dinâmicos do país. Ele é um dos grandes entusiastas do movimento inglês Fresh Expressions, cujo mote é “uma igreja mutante para um mundo mutante”. Seu trabalho é orientar grupos cristãos que se reúnem em cafés, museus, praias ou pistas de skate. De maneira genérica, esses grupos são chamados de “igreja emergente” desde o final da década de 1990. “O importante não é a forma”, afirma Uchôa. “É buscar a essência da espiritualidade cristã, que acabou diluída ao longo dos anos, porque as formas e hierarquias passaram a ser usadas para manipular pessoas. É contra isso que estamos nos levantando.”
No meio dessa busca pela essência da fé cristã, muitas das práticas e discursos que eram característica dos evangélicos começaram a ser considerados dispensáveis. Às vezes, até condenáveis (leia o quadro na última pág.). Em Campinas, no interior de São Paulo, ocorre uma das experiências mais interessantes de recriação de estruturas entre as denominações históricas. A Comunidade Presbiteriana Chácara Primavera não tem um templo. Seus frequentadores se reúnem em dois salões anexos a grandes condomínios da cidade e em casas ao longo da semana. Aboliram a entrega de dízimos e as ofertas da liturgia. Os interessados em contribuir devem procurar a secretaria e fazê-lo por depósito bancário – e esperar em casa um relatório de gastos. Os sermões são chamados, apropriadamente, de “palestras” e são ministrados com recursos multimídias por um palestrante sentado em um banquinho atrás de um MacBook. A meditação bíblica dominical é comumente ilustrada por uma crônica de Luis Fernando Verissimo ou uma música de Chico Buarque de Hollanda.


1. Em Ariquemes, cidade de 80 mil habitantes do interior de Rondônia, o cirurgião geral Irani Rosique (de camisa branca) mobiliza cerca 2.500 pessoas, em pequenos grupos de oração, comunhão e estudo da Bíblia, como esse fotografado. Ele pode ser visto como um "símbolo" da transição que a igreja evangélica brasileira atravessa. (Foto: Alemida Dias/ÉPOCA)

Inspirado no cristianismo primitivo e conectado à internet, um grupo crescente de religiosos critica a corrupção neopentecostal e tenta recriar o protestantismo à brasileira
RICARDO ALEXANDRE

“As pessoas não querem mais dogmas, elas querem autenticidade. Minha postura é, juntos, buscarmos algumas respostas satisfatórias a nossas inquietações”
ED RENÉ KIVITZ, pastor da Igreja Batista da Água Branca, em São Paulo
“Os seminários teológicos formam ministros para um Brasil rural em que os trabalhos são de carteira assinada, as famílias são papai, mamãe, filhinhos e os pastores são pessoas respeitadas”, diz Ricardo Agreste, pastor da Comunidade e autor dos livros Igreja? Tô fora e A jornada (ambos lançados pela Editora Socep). “O risco disso é passar a vida oferecendo respostas a perguntas que ninguém mais nos faz. Há muita gente séria, claro, dizendo verdades bíblicas, mas presas a um formato ultrapassado.”
Outro ponto em comum entre esses questionadores é o rompimento declarado com a face mais visível dos protestantes brasileiros: os neopentecostais. “É lisonjeador saber que atraímos gente com formação universitária e que nos consideram ‘pensadores’”, afirma Ricardo Agreste. “O grande problema dos evangélicos brasileiros não é de inteligência, é de ética e honestidade.” Segundo ele, a velha discussão doutrinária foi substituída por outra. “Não é mais uma questão de pensar de formas diferentes a espiritualidade cristã”, diz. “Trata-se de entender que há gente usando vocabulário e elementos de prática cristã para ganhar dinheiro e manipular pessoas.”
Esse rompimento da cordialidade entre os evangélicos históricos e os neopentecostais veio a público na forma de livros e artigos. A jornalista (evangélica) Marília Camargo César publicou no final de 2008 o livro Feridos em nome de Deus (Editora Mundo Cristão), sobre fiéis decepcionados com a religião por causa de abusos de pastores. O teólogo Augustus Nicodemus Lopes, chanceler da Universidade Presbiteriana Mackenzie, publicou O que estão fazendo com a Igreja: ascensão e queda do movimento evangélico brasileiro (Mundo Cristão), retrato desolador de uma geração cindida entre o liberalismo teológico, os truques de marketing, o culto à personalidade e o esquerdismo político. Em um recente artigo, o presidente do Centro Apologético Cristão de Pesquisas, João Flavio Martinez, definiu como “macumba para evangélico” as práticas místicas da Igreja Universal do Reino de Deus, como banho de descarrego e sabonete com extrato de arruda.
Tais críticas, até pouco tempo atrás, ficavam restritas aos bastidores teológicos e às discussões internas nas igrejas. Livros mais antigos – como Supercrentes, Evangélicos em crise, Como ser cristão sem ser religioso e O evangelho maltrapilho (todos da editora Mundo Cristão) – eram experiências isoladas, às vezes recebidos pelos fiéis como desagregadores. “Parece que a sociedade se fartou de tanto escândalo e passou a dar ouvidos a quem já levantava essas questões há tempos”, diz Mark Carpenter, diretor-geral da Mundo Cristão.
O pastor Kivitz – que publicou pela Mundo Cristão seus livros Outra espiritualidade e O livro mais mal-humorado da Bíblia – distingue essa crítica interna daquela feita pela mídia tradicional aos neopentecostais “A mídia trata os evangélicos como um fenômeno social e cultural. Para fazer uma crítica assim, basta ter um pouco de bom-senso. Essa crítica o (programa) CQC já faz, porque essa igreja é mesmo um escracho”, diz ele. “Eu faço uma crítica diferente, visceral, passional, porque eu sou evangélico. E não sou isso que está na televisão, nas páginas policiais dos jornais. A gente fica sem dormir, a gente sofre e chora esse fenômeno religioso que pretende ser rotulado de cristianismo.”
A necessidade de se distinguir dos neopentecostais também levou essas igrejas a reconsiderar uma série de práticas e até seu vocabulário. Pastores e “leigos” passam a ocupar o mesmo nível hierárquico, e não há espaço para “ungidos” em especial. Grandes e imponentes catedrais e “cultos shows” dão lugar a reuniões informais, em pequenos grupos, nas casas, onde os líderes podem ser questionados, e as relações são mais próximas. O vocabulário herdado da teologia triunfalista do Antigo Testamento (vitória, vingança, peleja, guerra, maldição) é reconsiderado. Para superar o desgaste dos termos, algumas igrejas preferem ser chamadas de “comunidades”, os cultos são anunciados como “reuniões” ou “celebrações” e até a palavra “evangélico” tem sido preterida em favor de “cristão” – o termo mais radical. Nem todo mundo concorda, evidentemente. “Eles (os neopentecostais) é que não deveriam ser chamados de evangélicos”, afirma o bispo anglicano Robinson Cavalcanti, da Diocese do Recife. “Eles é que não têm laços históricos, teológicos ou éticos com os evangélicos.”
Um dos maiores estudiosos do fenômeno evangélico no Brasil, o sociólogo Ricardo Mariano (PUC-RS), vê como natural o embate entre neopentecostais e as lideranças de igrejas históricas. Ele lembra que, desde o final da década de 1980, quando o neopentecostalismo ganhou força no Brasil, os líderes das igrejas históricas se levantaram para desqualificar o movimento. “O problema é que não há nenhum órgão que regule ou fale em nome de todos os evangélicos, então ninguém tem autoridade para dizer o que é uma legítima igreja evangélica”, afirma.

“O que importa é buscar a essência do cristianismo, que acabou diluída porque as formas e hierarquias passaram a ser usadas para manipular pessoas”
MIGUEL UCHÔA, pastor anglicano (à esquerda na foto, ao lado do bispo Robinson Cavalcanti, da Diocese do Recife)
Procurado por ÉPOCA, Geraldo Tenuta, o Bispo Gê, presidente nacional da Igreja Renascer em Cristo, preferiu não entrar em discussões. “Jesus nos ensinou a não irmos contra aqueles que pregam o evangelho, a despeito de suas atitudes”, diz ele. “Desde o início, éramos acusados disto ou daquilo, primeiro porque admitíamos rock no altar, depois porque não tínhamos usos e costumes. Isso não nos preocupa. O que não é de Deus vai desaparecer, e não será por obra dos julgamentos.” A Igreja Universal do Reino de Deus – que, na terceira semana de julho, anunciou a construção de uma “réplica do Templo de Salomão” em São Paulo, com “pedras trazidas de Israel” e “maior do que a Catedral da Sé” – também foi procurada por ÉPOCA para comentar os movimentos emergentes e as críticas dirigidas à igreja. Por meio de sua assessoria, o bispo Edir Macedo enviou um e-mail com as palavras: “Sem resposta”.
O sociólogo Ricardo Mariano, autor do livro Neopentecostais: sociologia do novo pentecostalismo no Brasil (Editora Loyola), oferece uma explicação pragmática para a ruptura proposta pelo novo discurso evangélico. Ateu, ele afirma que o objetivo é a busca por uma certa elite intelectual, um público mais bem informado, universitário, mais culto que os telespectadores que enchem as igrejas populares. “Vivemos uma época em que o paciente pesquisa na internet antes de ir ao consultório e é capaz de discutir com o médico, questionar o professor”, diz. “Num ambiente assim, não tem como o pastor proibir nada. Ele joga para a consciência do fiel.”
A maior parte da movimentação crítica no meio evangélico acontece nas grandes cidades. O próprio pastor Kivitz afirma que “talvez não agisse da mesma forma se estivesse servindo alguma comunidade em um rincão do interior” e que o diálogo livre entre púlpito e auditório passa, necessariamente, por uma identificação cultural. “As pessoas não querem dogmas, elas querem honestidade”, diz ele. “As dúvidas delas são as minhas dúvidas. Minha postura é, juntos, buscarmos respostas satisfatórias a nossas inquietações.”
Por isso mesmo, Ricardo Mariano não vê comparação entre o apelo das novas igrejas protestantes e das neopentecostais. “O destino desses líderes será ‘pescar no aquário’, atraindo insatisfeitos vindos de outras igrejas, ou continuar falando para meia dúzia de pessoas”, diz ele. De acordo com o presbiteriano Ricardo Gouveia, “não há, ou não deveria haver, preocupação mercadológica” entre as igrejas históricas. “Não se trata de um produto a oferecer, que precise ocupar espaço no mercado”, diz ele. “Nossa preocupação é simplesmente anunciar o evangelho, e não tentar ‘melhorá-lo’ ou torná-lo mais interessante ou vendável.”
O advento da internet foi fundamental para pastores, seminaristas, músicos, líderes religiosos e leigos decidirem criar seus próprios sites, portais, comunidades e blogs. Um vídeo transmitido pela Igreja Universal em Portugal divulgando o Contrato da fé – um “documento”, “autenticado” pelos pastores, prometendo ao fiel a possibilidade de se “associar com Deus e ter de Deus os benefícios” – propagou-se pela rede, angariando toda sorte de comentários. Outro vídeo, em que o pregador americano Moris Cerullo, no programa do pastor Silas Malafaia, prometia uma “unção financeira dos últimos dias” em troca de quem “semear” um “compromisso” de R$ 900 também bombou na rede. Uma cópia da sentença do juiz federal Fausto De Sanctis (leia a entrevista com ele) condenando os líderes da Renascer Estevam e Sônia Hernandes por evasão de divisas circulou no final de 2009. De Sanctis afirmava que o casal “não se lastreia na preservação de valores de ética ou correção, apesar de professarem o evangelho”. “Vergonha alheia em doses quase insuportáveis” foi o comentário mais ameno entre os internautas.
Sites como Pavablog, Veshame Gospel, Irmãos.com, Púlpito Cristão, Caiofabio.net ou Cristianismo Criativo fazem circular vídeos, palestras e sermões e debatem doutrinas e notícias com alto nível de ousadia e autocrítica. De um grupo de blogueiros paulistanos, surgiu a ideia da Marcha pela ética, um protesto que ocorre há dois anos dentro da Marcha para Jesus (evento organizado pela Renascer). Vestidos de preto, jovens carregam faixas com textos bíblicos e frases como “O $how tem que parar” e “Jesus não está aqui, ele está nas favelas”.

“O homem sem Deus joga papel no chão? O cristão não deve jogar. É a proposta de Jesus, materializar o amor ao próximo no dia a dia”
VALTER RAVARA, “ecocapelão”, criador do Instituto Gênesis 1.28 e da Bíblia verde
A maior parte desses blogueiros trafega entre assuntos tão diversos como teologia, política, televisão, cinema e música popular. O trânsito entre o “secular” e o “sagrado” é uma das características mais fortes desses novos evangélicos. “A espiritualidade cristã sempre teve a missão de resgatar a pessoa e fazê-la interagir e transformar a sociedade”, diz Ricardo Agreste. “Rompemos o ostracismo da igreja histórica tradicional, entramos em diálogo com a cultura e com os ícones e pensamento dessa cultura e estamos refletindo sobre tudo isso.”
Em São Paulo, o capelão Valter Ravara criou o Instituto Gênesis 1.28, uma organização que ministra cursos de conscientização ambiental em igrejas, escolas e centros comunitários. “É a proposta de Jesus, materializar o amor ao próximo no dia a dia”, afirma Ravara. “O homem sem Deus joga papel no chão? O cristão não deve jogar.” Ravara publicou em 2008 a Bíblia verde, com laminação biodegradável, papel de reflorestamento e encarte com textos sobre sustentabilidade.
A então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, escreveu o prefácio da Bíblia verde. Sua candidatura à Presidência da República angariou simpatia de blogueiros e tuiteiros, mas não o apoio formal da Assembleia de Deus, denominação a que ela pertence. A separação entre política e religião pregada por Marina é vista como um marco da nova inserção social evangélica. O vereador paulistano e evangélico Carlos Bezerra Jr. afirma que o dever do político cristão é “expressar o Reino de Deus” dentro da política. “É o oposto do que fazem as bancadas evangélicas no Congresso, que existem para conseguir facilidades para sua denominação e sustentar impérios eclesiásticos”, diz ele.

DA WEB ÀS RUAS
Blogueiros que organizam a Marcha pela ética, um movimento de protesto incrustado dentro da Marcha para Jesus, promovida pela Renascer
O raciocínio antissectário se espalhou para a música. Nomes como Palavrantiga, Crombie, Tanlan, Eduardo Mano, Helvio Sodré e Lucas Souza se definem apenas como “música feita por cristãos”, não mais como “gospel”. Eles rompem os limites entre os mercados evangélico e pop. O antissectarismo torna os evangélicos mais sensíveis a ações sociais, das parcerias com ONGs até uma comunidade funcionando em plena Cracolândia, no centro de São Paulo. “No fundo, nossa proposta é a mesma dos reformadores”, diz o presbiteriano Ricardo Gouveia. “É perceber o cristianismo como algo feito para viver na vida cotidiana, no nosso trabalho, na nossa cidadania, no nosso comportamento ético, e não dentro das quatro paredes de um templo.”
A teologia chama de “cristocêntrico” o movimento empreendido por esses crentes que tentam tirar o cristianismo das mãos da estrutura da igreja – visão conhecida como “eclesiocêntrica” – e devolvê-lo para a imaterialidade das coisas do espírito. É uma versão brasileiramente mais modesta do que a Igreja Católica viveu nos tempos da Reforma Protestante. Desta vez, porém, dirigida para a própria igreja protestante. Depois de tantos desvios, vozes internas levantaram-se para propor uma nova forma de enxergar o mundo. E, como efeito, de ser enxergadas por ele. Nas palavras do pastor Kivitz: “Marx e Freud nos convenceram de que, se alguém tem fé, só pode ser um estúpido infantil que espera que um Papai do Céu possa lhe suprir as carências. Mas hoje gostaríamos de dizer que o cristianismo tem, sim, espaço para contribuir com a construção de uma alternativa para a civilização que está aí. Uma sociedade que todo mundo espera, não apenas aqueles que buscam uma experiência religiosa”.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Igreja Emregente parte 2

Igreja emergente, a igreja do Pós-modernismo? - parte 2
Uma avaliação provisória
7/6/2010
Continuação da Parte 1

3. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Carson afirma que a igreja emergente é essencialmente um movimento “de dentro” e se opõe à igreja evangélica tradicional característica das últimas décadas do século 20. Na visão dos líderes emergentes aquela forma de ser igreja é cativa dos conceitos do absolutismo da era moderna e o movimento emergente veio trazer a liberdade necessária para um cristianismo relevante na pós-modernidade. 37 Logo, uma das marcas principais do pensamento emergente é a aversão ao absolutismo, ou seja, a forma de pensar do modernismo, que admite o conceito de verdade absoluta com bases fundacionalistas. Consequentemente, esse movimento apresenta uma série de características comuns, algumas das quais são relacionadas abaixo.
3.1 Pluralismo
Como foi dito anteriormente, a questão central nesta discussão envolve categorias epistemológicas. A proposta emergente enfatiza os sentimentos e afeições sobre o pensamento linear e a racionalidade; a experiência em contraposição à verdade; a inclusão ao invés da exclusão; a participação em contrapartida ao individualismo. Essas seriam as bases para afastar a crença cristã na verdade “absoluta” e levar à autenticidade, ao “novo tipo de cristão”, pregado por McLaren. Assim, a característica dominante da igreja emergente é a não afirmação de absolutos e a aceitação das diferenças, a saber, a marca fundamental do pluralismo pós-moderno.
Grande parte das obras escritas pelos líderes emergentes demonstra o tipo de pluralismo desejado. O subtítulo do livro de McLaren, A Generous Orthodoxy, revela o espírito que projeta a sua teologia:
Por que sou um cristão missional, evangélico, pós-protestante, liberal-conservador, místico-poético, bíblico, carismático-contemplativo, fandamentalistacalvinista, anabatista-anglicano, metodista, católico, verde, encarnacional, deprimido-mas-esperançoso, emergente e inacabado.
Cada uma dessas expressões transforma-se em título de um dos capítulos do livro de McLaren, no qual ele aplica as categorias do que chama de "pensamento emergente". Segundo ele, o relativismo e o pluralismo filosófico não permitem que o cristão permaneça fiel à Escritura. Por outro lado, o pensamento moderno está morto e as críticas ao absolutismo modernista são muito fortes, sem possibilidade de serem combatidas. A única saída, segundo ele, é o pensamento emergente da ortodoxia generosa, como citado anteriormente: "Pense em um corte transversal numa árvore. Cada anel representa, não a substituição dos anéis anteriores, não a sua rejeição, mas a sua adoção, a sua inclusão em algo maior".
Nesse sentido, no pensamento emergente nunca se chega a um ponto final, mas emerge-se em algo novo, sempre plural, sempre inclusivo. Simon Hall, líder da comunidade Revive, em Leeds, Reino Unido, afirma:
Meu alvo para a comunidade não é ser "pós" tudo. Nós somos evangélicos e carismáticos e liberais e ortodoxos e contemplativos e ligados à justiça social e ao culto alternativo.
Essa postura ilustra claramente o tipo de pluralismo almejado nessas comunidades.

3.2 Protesto
A marca do pluralismo leva o movimento emergente a uma posição de protesto. Praticamente toda a sua liderança vem de dentro da base do cristianismo evangélico tradicional e fundamentalista e manifesta o seu descontentamento com a instituição de origem. Da mesma forma como vimos a respeito de Kimball e sua percepção descontente com a igreja tradicional, Mike Yaconelli editou Stories of Emergence: Moving from Absolute to Authentic (Histórias de emergência: movendo-se do absoluto para o autêntico). No livro, encontram-se narrativas de vários líderes emergentes que possuem um tom semelhante: a autenticidade não estava presente na igreja. O próprio nome da igreja de Kimball reflete essa ideia, pois Vintage significa algo genuíno, de qualidade, em oposição à igreja "enlatada" e supostamente não genuína do século 20. Para McLaren o que os evangélicos precisam é do novo cristão, de uma nova forma de seguir a Jesus que emerge dos escombros do cristianismo dividido por lutas teológicas, da negligência das responsabilidades sociais e da tirania do capitalismo conservador da modernidade. Para ele,
Cada um desses novos desafios [da pós-modernidade] requer que os líderes cristãos criem novas formas, novos métodos, novas estruturas – e requer deles que encontrem novo conteúdo, novas ideias, novas verdades e novo significado que sustente os novos desafios. As novas mensagens não são incompatíveis com o evangelho do reino que Jesus ensinou. Não, elas são inerentes a ele, mas previamente eram não descobertas, não expressas, talvez não imaginadas.
O conceito de uma cosmovisão integral com valores objetivos e absolutos é impossível de ser vivido de maneira coerente e relevante nos tempos da pós-modernidade. O protesto, então, é resultado da forma incoerente como vive o cristianismo que se diz bíblico. Esta inquietação é relatada quando McLaren diz que
Através desses anos [de ministério] um sentimento desconfortável começou a me mostrar que o retrato de Jesus que eu encontrei no Novo Testamento não se encaixava com a imagem do cristianismo projetada pelas instituições religiosas, tele-evangelistas carismáticos, representantes religiosos na mídia – e, às vezes, minha própria pregação.
Carson expõe o protesto do movimento emergente em três frentes:
1. Protesto contra a igreja evangélica tradicional,
2. Protesto contra a forma como interpreta o modernismo e
3. Protesto contra a igreja "seeker-sensitive".
4. Protesto contra os conceitos de autoridade e hierarquia(do autor do texto)
Além dos três pontos observados por Carson, destaco o protesto contra os conceitos de autoridade e hierarquia. É comum encontrar nos relatos emergentes a noção de que as estruturas eclesiásticas do modernismo e suas hierarquias são antibíblicas. Em igrejas emergentes não se encontram pastores "efetivos" ou principais. Até mesmo na liderança do movimento encontra-se o constante debate. Quando Tony Jones foi apontado como diretor nacional do site emergent-US, houve grande debate e acusações de que o movimento estaria caminhando para aquilo que ele negava em sua essência: estruturas hierárquicas. Depois do debate o seu título foi mudado para "coordenador nacional" do movimento emergent-US.
Esse perfil de protesto marca o movimento como desconstrucionista. A igreja evangélica no final do século 20 precisa ser desconstruída para ser reconstruída, a começar dos conceitos de verdade absoluta que a mesma mantém. Para Kimball a igreja vive um momento de transição entre o modernismo e pós-modernismo e isto exige que as bases do cristianismo moderno sejam realinhadas para a geração pós-moderna. O cristianismo do modernismo é fundamentado no monoteísmo racional e na religião proposicional, com uma sistemática local e uma verdade individualista. Já na era pós-moderna o cristianismo se fundamentará no pluralismo experimental, na narrativa mística, fluida, global, e na preferência comunal/tribal. Quanto mais as gerações se afastam do modernismo, menos terão condições de compreender as propostas do cristianismo daquela época. Logo, afirmam Gibbs e Bolger:
As igrejas emergentes estão diante de uma tarefa formidável à medida que se esforçam para distinguir entre as partes da vida da igreja que tem as suas raízes na cultura moderna, a serem descartadas, e as partes que são evangelho e devem ser mantidas.
Esse protesto soma-se ao protesto contra a teologia sistemática. Segundo McLaren:
As teologias sistemáticas são construções maravilhosas do fim do período medieval-moderno; para mim, são como as catedrais do tempo medieval. Embora poucos de nós adoremos em catedrais, nós as valorizamos e sabemos que deveriam ser preservadas pela sua beleza. A simetria intelectual e a grande estrutura das teologias sistemáticas igualmente deveriam ser preservadas e admiradas. Mas o meu palpite (e esperança) é que não vamos viver de teologia sistemática somente, no futuro, mas vamos aprender como habitar a história bíblica... e aplicá-la em nossas vidas.
Logo, o protesto emerge em todas as frentes, desde as estruturas geradas pela teologia evangélica até a própria teologia per se e a base epistemológica sobre a qual ela está fundamentada.

3.3 Missional
O termo missional é frequente na literatura emergente. Quase todas as descrições feitas do movimento também apontam para esta como outra de suas principais características. Nesse contexto, um dos conceitos básicos de "ser missional" é ser autêntico. Gibbs e Bolger descrevem as igrejas emergentes como
comunidades que praticam o caminho de Jesus dentro das culturas pós-modernas. Essa definição envolve nove práticas.
Nove práticas das Igrejas emergentes:
(1) identificam-se com a vida de Jesus,
(2) transformam o ambiente secular e
(3) vivem vidas comunitárias intensas. Por causa dessas três atividades, elas:
(4) acolhem os estranhos,
(5) servem com generosidade,
(6) participam como produtoras,
(7) criam como seres criados,
(8) lideram como um corpo e
(9) tomam parte nas atividades espirituais.

Na verdade, esse é um aspecto positivo do movimento, exatamente por demonstrar uma intensa preocupação com os incrédulos e uma considerável eficiência no alcance de não cristãos. Por outro lado, as ênfases tendem a levar os grupos a uma relação extremamente horizontal, na qual a pregação do evangelho e a ação social, por exemplo, tornam-se indistintas e os discursos quase que se confundem, em nova embalagem, com os da teologia da libertação.
Assim sendo, a ação social, como ato de amor, já é pregação e pode dispensar a proclamação. Gibbs e Bolger afirmam que a única metanarrativa viável é a missio Dei, que "redime a nossa realidade material, acolhe os estranhos, compartilha generosamente, capacita, ouve, dá espaço e oferece a verdadeira liberdade". Essa característica revelaria a natureza "encarnada" do cristianismo, da mesma forma que Jesus andou entre as pessoas pobres e rejeitadas e foi parte da sua transformação social. Essa confusão pode também ser percebida nos escritos de McLaren. Para ele:
... a fé cristã missional afirma que Jesus não veio tornar algumas pessoas salvas e outras condenadas. Jesus não veio ajudar algumas pessoas a serem corretas enquanto deixa todas as demais erradas. Jesus não veio para criar outra religião exclusiva – o judaísmo estando exclusivamente baseado na genética e o cristianismo estando baseado exclusivamente na crença (o que pode ser um requisito mais difícil do que a genética).
Nesse sentido, ser missional é ser absolutamente inclusivista. A base bíblica usada pelo autor é o chamado de Abrão, quando Deus prometeu abençoá-lo e fazer dele uma bênção para todas as nações. Tomar esta bênção e enfatizá-la em detrimento da segunda parte (em ti serão abençoadas todas as nações da terra) é não ser missional, nem generoso e nem ortodoxo, ou seja, receber a bênção implica em distribuí-la generosamente a todos, sem exigir nada de volta. A bênção, nesse sentido, não é simplesmente levar o evangelho de Cristo, mas agir como se todos os que estão à nossa volta já tivessem recebido a bênção. Em algumas dessas comunidades o princípio usado é de que nenhum aspecto das ações internas da comunidade deveria fazer com que um de seus membros tivesse vergonha de levar um amigo à reunião ou culto. Na igreja moderna a ordem seria crer e depois pertencer. No movimento emergente a ideia é primeiro pertencer e depois crer.

3.4 Linguagem, culto e pregação
Uma das características visíveis da igreja emergente está no seu uso da linguagem e na sua forma de manifestação de culto, que são prontamente observáveis nos sites e literatura. Kimball tem vários capítulos descritivos em seu livro e nesta seção utilizo bastante o seu material. Um dos argumentos fundamentais é que a comunicação para a mente pós-moderna não pode acontecer de forma linear. Para a geração que cresce nos tempos contemporâneos a comunicação precisa acontecer em forma de rede, como um site na internet, onde as possibilidades de continuidade são inúmeras e, na verdade, ninguém sabe onde ela vai terminar. Uma das propostas fundamentais na comunicação emergente é a criação de um culto experimental e multissensorial, numa atmosfera trabalhada por luzes, velas, símbolos, mensagens multimídia, arte estática e em movimento, espontânea e participativa, dando sempre lugar à experiência. Isto seria uma reação ao culto na igreja moderna que coloca os adoradores mais como expectadores e que exige muito pouco envolvimento no ato de adoração. Na "Liquid Church" (Igreja líquida), por exemplo, o culto é descrito como "Intenso e apaixonado. Sonhador e reflexivo".
Os elementos de culto propostos por Kimball em Emerging church parecem ser sérios e ponderados. Há um incentivo ao uso da música sem permitir que a letra seja esquecida, bem como as leituras bíblicas feitas antes dos cânticos, as ofertas, a Santa Ceia, a leitura de credos e a oração. Além do mais, um capítulo inteiro do livro é dedicado à forma da pregação. Existem vários aspectos positivos nas declarações feitas por Kimball, como, por exemplo, o fato de que no ato de cantar não se deve ser apenas um observador, alheio ao que se está cantando. Em sua comunidade, os músicos costumam ficar ao fundo do auditório para não se tornarem o foco durante os cânticos e não darem a impressão de uma apresentação musical. Contudo, junto a tudo isto ocorrem várias práticas estranhas ao protestantismo histórico e que se associam mais ao catolicismo romano, algumas delas bem características do misticismo medieval e até pagãs. Um dos exemplos oferecidos pelo próprio autor do livro é a queima de incenso durante a experiência das ofertas, dando ao adorador a noção de que "as suas orações e ofertas estavam, na verdade, subindo a Deus como um aroma agradável".
Várias das igrejas emergentes encontradas na internet também possuem as suas estações de oração nas quais os participantes circulam, dando "passos de oração". Segundo Kimball, em um dos programas de sua igreja as estações representavam cada uma das disciplinas ou aspectos de uma vida cristã sadia. Encontravam-se nelas objetos relacionados ao seu tema. Em uma das estações, descreve Kimball, colocaram uma cruz feita de espelhos onde cada um poderia contemplar-se na cruz e ter uma noção de como Cristo havia levado os pecados nela. Todo o experimentalismo tem como objetivo atrair o jovem pós-moderno em busca de experiências sensoriais e levar-lhe a mensagem do evangelho.
Todavia, Kimball adverte contra o perigo das experiências chamarem mais atenção para si mesmas do que para Jesus. Existem, inclusive, sugestões de como o ambiente de culto pode ser preparado para oferecer uma atmosfera mais favorável ao culto multissensorial. Propõe-se a não linearidade dos assentos, mas a circularidade do ambiente e a presença de simbologia por todos os lados. Dentro de todo este contexto encontramos muito da busca de uma "nova espiritualidade" mística. A prática da "oração contemplativa", em que a união mística com Deus é buscada através da meditação com a repetição de mantras, é incentivada por ministérios que têm sido formadores dentro do movimento, especialmente o Youth Specialties, fundado por Mike Yaconelli, que promove retiros contemplativos para jovens.
Lendo partes do capítulo sobre a pregação, poder-se-ia confundi-lo como o desafio de um pregador reformado que conclama ao retorno à pregação bíblica profunda. De fato, Kimball condena a superficialidade da pregação nas igrejas das últimas décadas e mostra a necessidade de voltar à exposição bíblica como forma de ensino para o povo de Deus. O problema aparece, no entanto, quando a proposta de pregação se volta para o estilo narrativo e são apresentadas as diferenças entre a pregação da igreja moderna e aquela a ser praticada na igreja emergente. Ele afirma que na igreja moderna o "sermão é o ponto focal do culto" enquanto que na igreja emergente "o sermão é uma parte da experiência do ajuntamento de culto"; "o pregador serve como um despenseiro das verdades bíblicas para ajudar a resolver problemas pessoais na vida moderna... [ele] ensina como a sabedoria antiga da Escritura se aplica à vivência do reino como um discípulo de Jesus"; "a mensagem bíblica é comunicada primariamente por palavras... [ela] é comunicada por um misto de palavras, elementos visuais, artes, silêncio, testemunho e história". Nesse sentido, a pregação no culto cristão deixa de ser uma exposição objetiva da verdade para ser a experiência individual de uma espiritualidade impossível de ser definida. O conteúdo da pregação emergente, para ser relevante, vê a Bíblia como "uma narrativa viva que ilumina a nossa história e não como uma verdade proposicional que deve ser observada".

4. AVALIAÇÃO PRELIMINAR
Como foi proposto no início, este artigo tem somente a intenção de oferecer uma avaliação preliminar, tendo em vista que muito do que ainda vamos entender por igreja emergente está por vir. Do que até agora se configura como tal, podemos destacar pontos positivos e negativos do movimento.
A busca da comunicação efetiva dentro da cultura é, com certeza, um ponto que deve levar a igreja à reflexão, e nisto o movimento emergente nos chama a atenção. O perigo de tornar-se irrelevante é sempre presente para a igreja em qualquer tempo e, com certeza, a igreja de "nosso tempo" deixa de falar efetivamente em muitas situações, principalmente pelo medo de expor-se e viver no mundo. Conforme a oração do Senhor em João 17, não somos do mundo, mas vivemos nele e nele temos que pregar o evangelho de Cristo.
Essa pregação precisa ser compreensível e relevante, e o uso de uma linguagem efetiva e compreensível ao homem dos dias de hoje é fundamental. O lado negativo desse aspecto, parece-me, é que o movimento emergente prega um tipo de "relevância a qualquer custo". Para ser relevante, o movimento (ou aqueles que são reconhecidos como seus líderes) tem proposto a negação de fundamentos bíblicos essenciais, como a caracterização da verdade bíblica.
Alguns teólogos tem sido o referencial para o desenvolvimento desse tipo de pensamento, entre eles Stanley Grenz. Outro ponto importante é o desejo da chamada igreja emergente de ser missional. Se as comunidades emergentes tomarem o termo missional como o desejo de autenticidade, a negação da hipocrisia e do espírito farisaico e a vontade de não manter estruturas que facilitem esse estado de coisas, estarão, com certeza, mais próximas de apresentar o verdadeiro evangelho com impacto em meio à sua geração e cultura. Creio que algumas delas provavelmente o farão. O lado negativo, no entanto, está na adoção do conceito missional inclusivista. Essa proposta leva o movimento ao radicalismo do antirradicalismo, a ponto de propor que a mensagem do evangelho de Cristo não é radical, do tipo "quem não é por mim é contra mim", mas uma mensagem condescendente, receptiva de diferenças e não condenatória. Afinal, nesse sistema de pensamento tudo o que se propõe como exclusivo é considerado preconceituoso. Outro aspecto positivo do desejo missional é o envolvimento das comunidades com ações de caráter social que, de fato, ajudam e tocam as classes menos favorecidas da sociedade, buscando a erradicação da fome e da pobreza. Todavia, como todo envolvimento da igreja em causas sociais, as comunidades emergentes correm o risco de fazerem da causa social tanto o seu fim último como a sua motivação primeira.
Em que pesem os aspectos positivos do movimento, a sua fundamentação filosófico-teológica nos faz avaliar a sua proposta geral como mais negativa do que positiva. A adoção da mentalidade pós-modernista e do pluralismo da verdade nega, no seu cerne, a proposta bíblica e seus absolutos. Entre os pensadores emergentes está clara a proposta do pluralismo da verdade, no qual "o conhecimento não mais é visto como verdade absoluta; ao contrário, o conhecimento é visto em termos de reorganizar informações em novos paradigmas".
A crença em absolutos não é um marco ou privilégio da igreja moderna, mas é fruto da revelação objetiva de Deus através dos séculos. Outro grande perigo apresentado pelo movimento é a adoção de práticas pagãs na igreja. As práticas de meditação e contemplação propostas por muitos de seus líderes são contrárias aos ensinamentos da Escritura e se configuram como tentativas idólatras de alcançar a divindade. É preocupante ver os passos que estão sendo dados em nome de uma busca espiritual que desconsidera a Escritura como fonte de toda a verdade. Pode a igreja viver assim? Não creio. Uma igreja em que o fundamento básico, a verdade, está solapado, não poderá sobreviver, porque necessariamente deixará de ser igreja. Portanto, a igreja emergente, seja como movimento ou como igreja, deve passar, assim como já passaram muitos outros movimentos contemporâneos que começaram como "a resposta" para os problemas da igreja. A negação aberta das características de autoridade, convicções e expressão doutrinal clara apontam para a direção oposta do que as Escrituras afirmam e a igreja experimentou e comprovou durante toda a sua história.

ABSTRACT
This article attempts to make a preliminary analysis of the movement known as the "emergent church" and to identify the main influences it received. The first purpose of the article is to define the movement, however difficult this may seem due to its postmodern characteristics. After an initial definition, the author deals with the origins of the movement and its significance. He also addresses its main characteristics and analyzes its philosophy through the eyes of its main proponents. The most outstanding traits of the movement can be summarized in its attitudes of pluralism and protest as demonstrated by its mission definition, language, worship, and preaching.

KEYWORDS
Emmergent church; Postmodernism; Metanarrative; Pluralism; Culture; Inclusivism; Missional; Contemplative; Paganism.
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Notas
37 CARSON, Igreja emergente, p. 32-33.
38 McLAREN, A generous orthodoxy, p. 276-277.
39 Entrevista citada em GIBBS e BOLGER, Emerging churches, p. 38-39.
40 YACONELLI, Mike (ed.). Stories of emergence: moving from absolute to authentic. Grand Rapids: Zondervan, 2003.
41 McLAREN, Generous orthodoxy, p. 192-193.
42 McLAREN, Brian. The secret message of Jesus: uncovering the truth that could change everything. Nashville: W Publishing Group, 2006.
43 CARSON, Igreja emergente, p. 42-48.
44 Ibid., p. 42. O desconstrucionismo é o método de pensamento da pós-modernidade, que sempre parte da hermenêutica da suspeita.
45 KIMBALL, Emerging church, p. 58-61.
46 GIBBS e BOLGER, Emerging churches, p. 88.
47 McLaren, em comentário no livro de KIMBALL, Emerging churches, p. 177.
48 GIBBS e BOLGER, Emerging churches, p. 44-45.
49 Emerging churches, p. 46.
50 McLaren, Generous orthodoxy, p. 109-110.
51 Ibid., p. 110.
52 Liquid Church, Our Worship.
Em: http://liquidchurch.typepad.com/liquidchurch/06_our_worship_/index.html. Acesso em 7 abr. 2006.
53 KIMBALL, Emerging church, p. 161.
54 Ibid., p. 168.
55 Ibid., p. 249. No final do livro o autor chega a propor um esboço de planta para reuniões emergentes.
56 Ver os sites http://www.youthspecialties.com e a gama de eventos em http://ymsp.org/events/
index.html. Os direitos sobre as publicações de Yaconelli e do Youth Specialties foram adquiridos recentemente pela Editora Zondervan. Sobre a “oração contemplativa”, sua história e prática, ver o site Contemplative Outreach, http://www.centeringprayer.com/. Ver o que é recomendado por PERSCHON, Mike, em Contemplative Prayer Practices,
http://www.youthspecialties.com/articles/topics/spirituality/contemplative.php (acesso em 22 maio 2006). Entre as recomendações estão as práticas de respiraçãoprofunda, Lectio Divina, contemplação inaciana, labirintos, Taizé e Iona.
57 KIMBALL, Emerging churches, p. 175.
58 FROST, Pamela. The emerging church – the invasion of mysticism. Trabalho não publicado, apresentado na conferência Christian Witness for a Pagan Planet (Testemunho cristão para um planeta pagão), janeiro de 2006, Escondido, Califórnia.
59 Ver, GRENZ, Stanley, Renewing the center: evangelical theology in a post-theological era. Grand Rapids: Baker, 2000. Outros teólogos que tem servido à proposta pós-moderna são Roger Olson, Nancey Murphy e John Franke.
60 VEITH, Gene Edward Jr. Tempos pós-modernos. São Paulo, SP: Cultura Cristã, 1999, p.42 e 50.