A disciplina eclesiástica
Visto que a disciplina
eclesiástica é um aspecto do uso do poder da igreja, é conveniente apresentar
aqui uma discussão dos princípios bíblicos relevantes para a prática da mesma.
1. O propósito da disciplina eclesiástica
a. Restauração e
reconciliação do cristão que se está desviando. O pecado impede a
comunhão com outros cristãos e com Deus. Para que haja reconciliação, o pecado
precisa ser tratado. Portanto, o propósito principal da disciplina eclesiástica
é alcançar o duplo alvo de restauração
(levar o pecador ao comportamento correto) e de reconciliação (entre cristãos e com Deus). Assim como pais sábios
disciplinam seus filhos (Pv 13.24: “Mas o que o ama [o filho], cedo, o
disciplina”), e assim como Deus, nosso pai, disciplina a quem ama (Hb 12.6; Ap
3.19), também a igreja em sua disciplina age em amor para trazer de volta um
irmão ou irmã que se tenha desviado, estabelecendo de novo tal pessoa em
comunhão e livrando-a dos caminhos destrutivos da vida. Em Mateus 18.15, a
esperança é que a disciplina pare no primeiro passo, quando alguém vai sozinho:
“Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão”.
A frase “ganhaste a teu irmão” implica que aqueles que exercem a
disciplina devem manter o alvo de reconciliação pessoal entre os cristãos
sempre em mente. Paulo
lembra-nos que devemos “restaurar” (nvi)
o irmão (ou irmã) pecador “com espírito de brandura” (Gl 6.1), e Tiago
incentiva-nos a “converter o pecador do seu caminho errado” (Tg 5.20).
b. Impedir
que o pecado se espalhe, atingindo outros (I Co 5:6) . Embora o primeiro alvo da
disciplina eclesiástica seja restauração e reconciliação do crente que está no
erro, nessa presente era a reconciliação e a restauração nem sempre
acontecerão. Mas quer ocorra a restauração, quer não, a igreja está ordenada a
exercer disciplina, pois dois outros propósitos também estão em vista.
c. Proteger
a pureza da igreja e a honra de Cristo (Tt 2:10). O terceiro propósito da
disciplina eclesiástica é que a pureza da igreja deve ser protegida, para que
Cristo não seja desonrado. Naturalmente, nenhum cristão, nessa era, tem o
coração completamente puro, e todos nós temos algum pecado que permanece em
nossa vida. Mas quando um membro da igreja permanece em pecado de maneira
indubitavelmente óbvia para os outros, em particular para os descrentes, isso
traz, sem dúvida, desonra a Cristo. É semelhante à situação dos judeus que
desobedeciam à lei de Deus e levavam descrentes a ridicularizar e a blasfemar o
nome de Deus (Rm 2.24: “O nome de Deus é blasfemado entre os gentios por vossa
causa”).
2. Por causa de quais pecados a disciplina eclesiástica deve ser exercida?
Por um
lado, o ensino de Jesus em Mateus 18.15-20 fala-nos que, se uma situação que
envolve um pecado de alguém contra outrem não pode ser resolvida em uma reunião
privada ou de um grupo pequeno, o assunto deve, então, ser levado à igreja:
Se teu irmão pecar contra ti, vai argüi-lo entre ti
e ele só. Se ele te ouvir, ganhaste a teu irmão. Se, porém, não te ouvir, toma
ainda contigo uma ou duas pessoas, para que, pelo depoimento de duas ou três
testemunhas, toda palavra se estabeleça. E, se ele não os atender, dize-o à
igreja; e, se recusar ouvir também a igreja, considera-o como gentio e
publicano (Mt 18.15-17).
Nesse
caso, o assunto avançou de uma situação particular e informal para um processo
de disciplina público e muito mais formal, feito pela igreja inteira.
3. Como deve ser exercida a disciplina eclesiástica?
Esse parece ser o propósito de Mateus
18.15-17, que está por trás do avanço gradual que começa numa reunião privada,
passa para uma reunião com duas ou três pessoas e chega à revelação a toda a
igreja. Quanto menos pessoas souberem de algum pecado, melhor, pois é mais
fácil haver arrependimento, um número menor de pessoas se desvia, e a reputação
da pessoa envolvida, da igreja e de Cristo é menos prejudicada.
b.
Medidas disciplinares devem ser cada vez mais severas até que haja uma solução. Uma vez mais, em Mateus 18, Jesus
nos ensina que não podemos parar simplesmente em uma conversa privada se essa
não trouxer resultados satisfatórios. Ele exige que a pessoa ofendida vá
primeiro sozinha, e então leve mais uma ou duas outras pessoas (Mt 18.15-16).
Além disso, se um cristão acha que ofendeu alguém (ou se alguém acha que foi ofendido), Jesus exige que
a pessoa que cometeu o erro (ou que acredita ter errado) vá à pessoa que se
considera vítima do erro cometido (Mt 5.23). Isso significa que se fomos
ofendidos ou outros acham que foram ofendidos, sempre é nossa responsabilidade tomar a iniciativa e ir falar com a
outra pessoa. Jesus não nos permite que esperemos a outra pessoa vir falar
conosco.
c. A
disciplina dos líderes da igreja. Em uma passagem Paulo apresenta diretrizes concernentes à
disciplina dos líderes da igreja:
Não
aceites denúncia contra presbítero,
senão exclusivamente sob o depoimento de duas ou três testemunhas. Quanto aos
que vivem no pecado, repreende-os na
presença de todos, para que também os demais temam. Conjuro-te, perante
Deus, e Cristo Jesus, e os anjos eleitos, que guardes estes conselhos, sem
prevenção, nada fazendo com parcialidade (1Tm 5.19-21).
Paulo
apresenta aqui uma cautela especial a fim de proteger os líderes de ataques
individuais: uma medida com respeito ao pecado, nesse caso, exige o depoimento
de duas ou três testemunhas. “Os que vivem no pecado” devem ser repreendidos “na presença de todos”. A razão disso é
que o mau exemplo da conduta pecaminosa dos líderes terá, muito provavelmente,
o efeito negativo que se disseminará nos outros que vêem a vida deles. Assim,
Paulo aconselha Timóteo a “nada fazer com parcialidade” em tal situação,
advertência muito útil, já que Timóteo era possivelmente muito amigo de vários
líderes da igreja de Éfeso.
d. Outros aspectos
da disciplina eclesiástica.
Uma vez que a disciplina seja exercida, tão logo haja arrependimento em
qualquer estágio do processo, os cristãos cientes da disciplina devem receber
de coração o arrependido na comunhão da igreja com rapidez. Paulo afirma: “De
modo que deveis, pelo contrário, perdoar-lhe
e confortá-lo, para que não seja o mesmo consumido por excessiva tristeza
[...] Pelo que vos rogo que confirmeis para com ele o vosso amor” (2Co 2.7-8;
cf. 7.8-11). Uma vez mais, nosso propósito na disciplina eclesiástica nunca
deve ser punir alguém com um desejo de vingança, mas sempre restaurá-lo e
curá-lo.
e. A
disciplina deve ser exercida com verdade, amor e no tempo adequado.
“Como maçãs de ouro em salvas de prata, assim é a palavra dita ao seu tempo”
(Pv 25:11). Entendemos através deste texto que a verdade deve ser dita, mas ela
tem uma hora certa de ser dita. O amor deve permear todas as nossas relações e
atitudes. Costumo falar que antes de brigar com minha esposa, seja por qualquer
motivo, devo lembrar a mim mesmo que a amo, depois disto falo o que sinto, no
entanto, filtrado por um coração que ama. Vamos tentar isto em todas as nossas
relações?
Bibliografia:
Teologia Sistemática, Waine
Gruden. Ed Vida Nova
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