Filtros Mentais
O que os líderes( e pessoas em geral) se permitem saber
O pior cego é aquele que não
quer ver, diz o ditado. Segundo o especialista Warren Bennis, há uma razão
por trás dessa cegueira: filtros que controlam quais dados aterrissam na agenda
ativa de nossa consciência e quais são despachados para os recantos escuros da
mente. Artigo Harvard
C orno Júlio César pôde ter ignorado os avisos sobre sua queda iminente,
mesmo quando estes caíam como chuva sobre ele? Por que Eckhard Pfeiffer,
presidente da Compaq, não escutou os executivos seniores que chamavam sua
atenção para novas fabricantes de computadores que estavam drenam do os
clientes da Compaq?
O
especialista em liderança Warren Bennis sugere um caminho para compreender as
curiosas ações ou muitas vezes a paralisia— desses líderes diante da
turbulência. Para ele, deve-se primeiramente analisar a forma como eles lidaram
com as informações a sua disposição ou, em outras palavras, “o que se permitiram
saber e quando se permitiram sabê-lo”.
Bennis, que é
professor da University of Southern California e também desempenha funções de
consultoria na Harvard Business School e na Kennedy School of Government de
Harvard, vem influenciando diretamente o que se pensa sobre liderança há cinco
décadas. Suas idéias ajudam a entender o processo decisório, e “como” e “por
que” nossas mentes aceitam ou rejeitam certas informações, em especial aquelas
que vão no sentido contrário aos fatos anteriores.
As barreiras
Todas as
pessoas utilizam filtros, afirma Bennis. Esses filtros, explica o professor,
direcionam o fluxo de informações em nossas mentes. Também são esses filtros os
responsáveis por controlar quais dados devem aterrissar na agenda ativa de
nossa consciência e quais serão despachados para os recantos escuros da mente.
“Por várias razões, a mente não lhe dá licença
para interpretar certos dados”, afirma. “Você não lida com os assuntos que não
quer acreditar que sejam reais, e isso o deixa com uma visão distorcida”,
acrescenta.
Será que isso
poderia explicar, pergunta Bennis, por que a Casa Branca foi em frente com sua
decisão de invadir o Iraque quando uma análise retrospectiva sugere que as
autoridades deveriam ter visto que alguns dados usados como justificativa para
a guerra não eram sólidos? Será que a crença apaixonada do presidente dos EUA
de que o plano da Casa Branca era a coisa certa para o país permitiu que
informações que corroboravam seus preconceitos suplantassem da dos que iam
contra eles?
Primeiro filtro: o Filtro Social.
O processo de tomada de decisão de George W. Bush ilustra um dos três
filtros que Bennis identificou como controladores do fluxo de da dos no
cérebro: o filtro social.
Este filtro permite aos líderes
rejeitar certos dados simplesmente ao não prestar atenção a sua fonte
“Quando estive em Abu Dhabi alguns anos atrás, um colega de lá me falou de uma
expressão do Oriente Médio utilizada para descrever pessoas que param de
escutar”, conta Bennis. “Era algo como ouvidos
cansados”, lembra.
Pense em Pfeiffer, que administrou quase sete anos de crescimento
ininterrupto da Compaq antes que as coisas sofressem uma forte reviravolta para
pior. “Ele tinha uma lista A e uma lista B”, diz Bennis. “E a lista A dele dizia ‘Sim, senhor’, ‘Sim, sim, senhor’
a qualquer estratégia que propusesse.” “Mas a lista B dizia: ‘Olhe, chefe, o
sr. sabe que talvez a gente devesse dar uma olhada no que a Gateway anda
fazendo ou no que a Dell está fazendo, porque eles estão roubando uma porção de
clientes nossos’. Pfeiffer não escutava ou não analisava as evidências. No
final das contas, ele parou de se reunir com as pessoas da lista B, que lhe
davam notícias ruins e desestabilizadoras. Ele estava com ouvidos cansados”,
relata o especialista.
Então, Pfeiffer deliberadamente se colocou em uma posição na qual
certas informações não poderiam chegar até ele porque queria evitar lidar com o
que sabia que era verdade? Não
necessariamente, diz Bennis. E possível que ele simplesmente tenha começado a
ignorar quaisquer dados que não afirmassem aquilo que ele acreditava, em certo
nível, ser verdade.
É importante distinguir esse tipo de cegueira às informações do
conceito jurídico de cegueira intencional, na qual um indivíduo
propositadamente se fecha aos dados a fim de criar ignorância propositada de
certos fatos —por exemplo, aquilo que Kenneth Lay, ex-presidente da Enron, pode
ter feito. As forças em ação aqui freqüentemente são de uma natureza bem menos
consciente.
Vejamos o caso do César de Shakespeare. A evidência de perigo é
gritante. “Sua esposa sonha com ele como uma estátua sangrando com cem bicos
jorrando e romanos luxuriantes lavando suas mãos no sangue. Uma coruja piou, o
que significava muito na Roma de 44 a.C. Um leão correu pelas ruas”, lembra
Bennis.
Mas César sempre ignorava os sinais. Ele não aceitou nem a mensagem
avisando-o sobre o perigo representado por Cassius, Casca e Brutus. “Por que
ele não deu atenção a tudo isso?”, pergunta Bennis. Pode-se fazer a mesma
pergunta sobre Pfeiffer, Raines e incontáveis outros líderes que enfrentaram
grandes fracassos. “A tragédia é a forma pela qual perdemos pessoas boas porque
elas não conseguem escutar ou não querem escutar”, afirma o especialista.
Segundo filtro: Filtro Contextual
Se os filtros sociais nos permitem
isolar determinadas fontes de informações, filtros contextuais nos permitem
rejeitar o significado daquilo que nos rodeia.
Para explicar isso, Bennis recorre a suas próprias experiências como
reitor da University of Cincinnati, de 1971 a 1978. “Eu fui trazido para
balançar o coreto e transformar aquela escola custeada pelo município em uma
importante universidade”, afirma ele. “Lá estava eu, uma espécie de
estrangeiro, e as pessoas de Cincinnati pensando que eu lhes estava roubando a
universidade”, lembra. Então Fred Lazurus Jr., fundador da Federated Department
Stores, com seus mais de 80 anos, ofereceu o que Bennis descreve como um sábio
conselho. “Ele disse: ‘Warren, esta é uma cidade realmente conservadora. Não se
exponha demais. Trabalhe com seu corpo docente, trabalhe com seus alunos. Não
se deixe tragar pelos holofotes”, conta o especialista.
Mas Bennis não tentou entender a cultura com que estava lidando, o que
tornou seu papel de agente da mudança ainda mais difícil. “Eis aqui a lição
sobre contexto”, afirma Bennis. “Eu não usei tempo suficientes para entender a
cidade, seu orgulho, sua história. Não gastei tempo para lhe fazer as honras”,
explica.
Vejamos outro caso de líder com a responsabilidade de mudar: Carly L.
Fiorina, da Hewlett-Packard. “Par começar, houve três greves contra ela”, diz
Bennis. “Ela é mulher, não é engenheira e a primeira pessoa de fora da
Hewlett-Packard a chegar à presidência da empresa. Como é que ela navega entre
o passado e o presente?”, acrescenta.
O que Fiorina fez foi usar cuidadosamente os símbolos da rica tradição
da HP para detalhar sua visão do futuro. Por exemplo: inicialmente ela utilizou
a imagem de Dave Packard e Bili Hewlett como os garotos na garagem para criar
entusiasmo quanto à forma pela qual a HP continuaria a gerar idéias inovadoras.
A consciência da situação que Fiorina demonstrou permitiu-lhe remover os
filtros contextuais que a poderiam ter levado a uma abordagem diferente, menos
eficaz para comunicar sua visão para a HP.
Terceiro filtro: Autoconhecimento
O terceiro e
último filtro que Bennis identifica é regido pelo autoconhecimento: o que você conhece e não conhece sobre si mesmo.
Novamente, Bennis recorre a sua própria experiência. “Por várias razões,
algumas relacionadas à ambição, outras a querer ver se minhas idéias realmente
tinham validade na prática, eu tinha o desejo de ser um reitor de
universidade”, relata.
Depois de
sete anos à frente da University of Cincinnati, Bennis fez um discurso na
Harvard Graduate School of Education sobre o papel de liderança de um reitor.
“Eu preparei muito bem a palestra e achei que tudo saiu bem”, lembra. “E aí
abri para perguntas.”
Do fundo da
sala, Paul Ylvisacker, então diretor da escola, fez uma pergunta que Bennis
descreve como “um arremesso de efeito”:
“Warren, você
ama ser reitor?”. Ele ficou totalmente sem palavras e conseguiu apenas dizer:
“Não sei”.
Mais tarde,
no avião de volta para Cincinnati, Bennis percebeu o que o diretor havia
conseguido captar: que seu coração não estava em ser reitor; ele simplesmente
não tinha a gana para isso. Ele percebeu posteriormente, segundo conta, que ser
um reitor de universidade “não era minha vocação”. Dessa maneira, viu-se
forçado a enfrentar sua falta de autoconhecimento. Os líderes carecem de autoconhecimento,
explica Bennis, sua capacidade decisória fica comprometida importa quais
informações estejam a sua disposição; se você próprio não souber o que o
impulsiona a fazer o que faz, a probabilidade de interpretar e utilizar mal
esses dados aumenta significativamente. “A falta de autoconhecimento é a fonte
cotidiana mais comum dos fracassos de liderança”, garante Bennis.
“Muitos
indivíduos capacitados que conheci ao longo dos anos e que se viram dirigindo
organizações aspiravam a essa alta posição sem saber o que isso envolvia e o
que o futuro lhes reservava. Eles queriam ser presidentes, mas não fazer o
trabalho de um presidente. Essa é a primeira pergunta que faço a todos os
líderes de alto potencial. Você sabe o que o espera, e você sabe se o papel se
adapta a seu conjunto de habilidades e ao que você tem de melhor? E exatamente
isso que eu não me perguntei”, explica o especialista.
O espectro
completo
A formação de uma base maior de conhecimento sobre as próprias
circunstâncias é o elemento crucial para a eliminação dos três filtros que
Bennis identificou. De acordo com o
especialista, os líderes inteligentes sabem que muito provavelmente seu poder
os isolará. Então, eles adotam atitudes para se resguardar desse isolamento,
tanto antes como depois de tomar decisões.
Quando Clark Clifford assumiu o Departamento de Defesa dos EUA,
sucedendo Robert McNamara, durante a guerra do Vietnã, “ele começou a conversar
com pessoas de todos os níveis da organização, não só com seus subordinados
diretos, para não receber apenas as notícias de sempre”, conta Bennis. “Robert
Carter, diretor-financeiro do FedEx, freqüente mente realiza reuniões gerais
com seu pessoal e encoraja a franqueza ao almoçar todo mês com oito
funcionários”, acrescenta.
Bennis sugere que os líderes levem essa estratégia um passo adiante,
adotando um processo de discussão posterior à tomada inicial de decisão. Assim,
a liderança terá a oportunidade de repassar o raciocínio por trás de uma
decisão antes de implantar um plano de ação.
Por exemplo: depois que os membros do conselho de administração da GE
concluíram que a melhor opção seria designar Jeff Immelt como sucessor de Jack
Welch, o conselho levou três semanas estudando a recomendação, a fim de
permitir que a decisão amadurecesse antes de fazer a votação final e o
comunicado oficial.
Os líderes devem sempre estar
certos de que possuem o espectro completo de dados e opiniões, recomenda
Bennis. “Acho que os melhores líderes fazem como Henrique V agia”, observa ele.
Na véspera da batalha, “ele tirava suas vestes reais, vestia o uniforme de
campanha de um soldado raso, saía e se misturava à tropa, perguntando-lhes o
que estava acontecendo”.
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